A Cidade Precisa de Você na Habitat III
Apresentação e participação na discussão dos espaços públicos
Por Laura Sobral, do Instituto A Cidade Precisa de Você
A importância dos espaços públicos urbanos como elementos-chave na melhoria da qualidade de vida nas cidades se mostrou crescente no encontro da Habitat III, a Conferência das Nações Unidas sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano Sustentável, que aconteceu do dia 17 ao 20 de outubro de 2016. O Instituto A Cidade Precisa de Você esteve presente, e traz um panorama do evento neste artigo.
Políticas pelo mundo
O assunto Espaços Públicos está em expansão, ainda que atrás das pautas de moradia e mobilidade. Governos já mostram políticas específicas para moradia ou mobilidade, mas ainda são poucos os que apresentam algo focado em espaços públicos – Alemanha, Holanda, Peru, África do Sul, Austrália. Há muitos programas novos ou iniciados por provocações locais da sociedade civil.
Um espaço de referência para o assunto da conferência ficava no Parque El Ejido, o Pop - Up Public Space, onde muitas atividades relacionadas ao tema aconteceram. A UN Habitat abordou o assunto dos espaços públicos no evento Global Toolkit for Safe,Inclusive & Accessible Public Spaces for All, com base na publicação deles Global Public Space Toolkit. Na parte de exposições, o Future of Places – iniciativa ligada ao PPS – tinha um stand dedicado ao placemaking. Juntamente com espaços públicos, um tema que desponta é sobre gênero - mas referências LGBT não aparecem no documento final.
Uma perspectiva interessante e ainda não muito explorada é a conexão entre melhores espaços públicos cidadãos e mobilidade a pé. Ao mesmo tempo em que é lógico que bons espaços públicos na cidade incentivem a mobilidade ativa - seja pela qualidade de desenho, por segurança e atratividade, pela ativação e vivacidade, pela presença de mobiliário urbano que permite aos pedestres espaços agradáveis e de descanso - esse não foi um tema abordado diretamente nos eventos na Habitat, salvo iniciativas pontuais, como a intervenção EL LUGAR, feita pela colombiana Despacio, que criou vagas vivas em uma avenida próxima ao local da Habitat III, porém com ativação cultural e design ainda fracos.
Instituto A Cidade Precisa de Você na Habitat III
O Instituto a Cidade Precisa de Você participou do Stand up For Public Space!, atividade organizada pelo City Space Architecture, em que grupos discutiram sobre desafios urbanos atuais, tendo como ponto focal os espaços públicos.
O Instituto A Cidade Precisa de Você participou de dois eventos oficiais da Habitat III, ambos em um dos espaços mais bacanas da conferência, a Fabrica Ciudad, promovida pelos holandeses do PAKHUIS DE ZWIJGER. Um foi o Placemaking as a tool for City Makers – Turning spaces into places. Together! onde contamos as experiências do Instituto ao lado de placemakers de várias cidades: Nairobi, Bolonha, Viena, Beirute, Nova York, entre outros. No segundo evento, falamos em uma rádio de alcance para toda a cidade, batendo um papo sobre nosso trabalho com Jorn Konijn e Pedro Rivera.
O INCITI, com quem o Instituto participou no Workshop Internacional de Prototipagem Urbana em Recife simultaneamente ao Habitat III, também estava na conferência com a ação I want to swim in my river – Machángara Beach. A exemplo das Praias do Capibaribe e da metodologia de ativação de espaços públicos implementadas pelo INCITI, o projeto cria um ambiente de lazer que estimula o público a curtir o espaço, ao mesmo tempo em que se debatem os processos de recuperação dos rios urbanos. Participamos da ação e fomos conhecer o pessoal que estava hospedando alguns dos INCITIs, o coletivo Al Borde. Na sede do Al Borde, pudemos acompanhar o trabalho do coletivo que está recuperando algumas casas históricas da cidade de maneira processual e inovadora.
A América Latina estava na Habitat III representada por iniciativas por vezes mais próximas às nossas condições do que os exemplos estado-unidenses ou europeus. Uma boa surpresa foi ouvir o prefeito de Lima falar de microurbanismo como catalisador de atividades comunitárias no evento "Creative Collaboration on Climate Change & Public Spaces Regeneration For Making Better Cities", que teve como participantes Lima Cómo Vamos, Ocupa Tu Calle e CDP.
Um evento de discussão em grupos foi o dos proponentes brasileiros Greenpeace BR e Engajamundo e o chileno Ciudad Emergente, o People Power in Cities: Finding ways to strengthen urban movements, onde se discutiram maneiras de fomentar a construção de cidades inclusivas, sustentáveis ​​e habitáveis com a capacitação da sociedade civil e de suas iniciativas. O assunto da participação popular, aliás, fez-se presente de várias formas na Habitat III, demonstrando que muitos passos têm de ser dados para que a população participe efetivamente das decisões urbanas, com muitos métodos sendo apresentados, problematizados e prototipados.
Em um painel sobre a África do Sul, "Socially Activated, Safe Public Spaces in Cape Town and Johannesburg", também foi clara a aproximação dos desafios que temos nas cidade sul-africanas e nas brasileiras. As mesas que tinham representantes da África trouxeram uma nova perspectiva ao debate: muitas vezes a palavra urbanização era questionada como sendo uma visão europeia de desenvolvimento.
Já o stand da Espanha, na parte da exposição, expôs um método de mapeamento para iniciativas cidadãs que já mapeou várias cidades no mundo, o Vivero de Iniciativas Ciudadanas (VIC).​
A programação da Plataforma Global pelo Direito à Cidade, que promoveu desde eventos explanatórios até eventos de treinamento, trabalhou com um forte advocacy para garantir que o termo direito à cidade figurasse na Nova Agenda Urbana pactuada na Habitat III.
Papel da Habitat III e desafios
É indiscutível o papel importante da Habitat III ao unir pessoas com distintas perspectivas para a construção de uma visão comum que possa responder a desafios complexos de nosso futuro urbano. No entanto, a crítica à Conferência também é pertinente: o Instituto, com um ano de atividade formalizada, ainda está à margem do que está sendo discutido. A sociedade civil "desorganizada", por assim dizer - ou seja, a maioria da população - ainda está longe das discussões da Habitat.
Em um artigo crítico à Habitat, Bernardo Gutierrez cita John Lennon: "vida es lo que ocurre mientras estás ocupado haciendo otros planes", ou seja, um dos grandes nós da Habitat III é que os planos passem tão longe da sua implementação ou da discussão urgente do agora. O grupo espanhol Paisage Transversal também coloca no centro da discussão o encontro Habitat III alternativo, que ocorreu simultaneamente à Conferência oficial. Apesar de interessante, o evento reproduziu muito do que foi criticado na Conferëncia: formato tradicional e grandes nomes.
O desafio para a implementação da Nova Agenda Urbana acordada na Habitat III é repensar os mecanismos de participação para a construção conjunta com a sociedade civil de planos e ações que coloquem as pessoas no centro do desenvolvimento urbano. Para tanto, o documento clama por uma mudança de paradigma na maneira que pensamos, planejamos e decidimos política urbana. Considerando as interações entre governos e sociedade civil observadas ao longo da Habitat III, fica clara a necessidade urgente de a sociedade ocupar espaços da política institucional, e também de a política institucional ter mais simetria com a política do dia-a-dia, saindo da sua caixa e transbordando além das salas de discussão de um porvir, ocupando os espaços públicos. O espaço aberto e acessível tem o potencial de fazer democracia: é preciso estar na rua, instigar a troca entre diferentes. Continuaremos trabalhando para fazer parte dessa história.
Laura Sobral esteve da Habitat III. Agradecemos ao ICS (Instituto Clima e Sociedade) pelo convite e oportunidade de estar na Habitat III, e à Fabrica Ciudad pelo espaço para mostrarmos um pouco do nosso trabalho.